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23/11/2025 19:58 | Colunistas
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por Aline Borges

Notas sobre uma metamorfose em andamento

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Amanhã (24/11) completo 48 anos, apesar de me sentir eternamente com 27. E nesta véspera, olho para trás e não vejo uma linha reta, mas uma metamorfose forçada, entre vales e montanhas, ora doces, ora amargas. Uma que não escolhi, mas que aceitei como minha única estrada possível diante do cenário no qual fui enquadrada.

Não escrevo para comover nem arrancar suas lágrimas. Escrevo para explicar – a mim mesma e a quem se dispõe a ler com respeito – o que significa habitar um corpo raro, de funcionamento atípico, onde a dor é uma companhia diária e a vontade de desistir um inimigo familiar. Um corpo desfiado tal qual organza rasgada, que abriga um cérebro com motor de Ferrari mas responde tal qual um Fusca depredado.

Esta pele que carrego com seu colágeno malformado passou por mais reinvenções que uma obra de arte. Foi paralisada, perfurada, sondada, machucada, silenciada. Aprendi a ditar poemas com o piscar de um olho enquanto o resto do corpo não respondia. Hoje, aprendo a costurar palavras com as mesmas mãos que tremem de cansaço ao segurar um copo d’água.

Minha espiritualidade não é um refúgio doce, é um acordo de paz. Foi o que restou quando o corpo falhou. Encontrei na fé não a cura que buscava, mas a coragem que precisava para testemunhar minha própria transformação. A âncora que me manteve no lugar. É um olhar que segue em frente, mesmo quando os pés não conseguem.

Há, é verdade, um cansaço absurdo que vai além do físico. Não é como um “dia ruim”. É o cansaço de carregar olhares de desconfiança e desprezo, de justificar minha existência, de proteger meu espaço – e o do meu cão – da incompreensão e da maldade gratuita.

Por isso, neste novo ciclo, firmo um posicionamento:

Não quero pena. Quero respeito.

Respeito pela minha voz como escritora, que traduz em crônicas o que a medicina não consegue nomear.
Respeito pelos meus limites como pessoa, que não são fraqueza, mas a geometria exata da minha realidade.
Respeito pelo meu direito à paz, que é tão vital para mim quanto o ar é para você.

Se falo do céu como um lugar sem dor, não é um desejo de morrer, mas a definição mais pura do que é, para mim, uma vida plena: uma existência livre do sofrimento físico e da crueldade alheia. É o padrão-ouro contra o qual meço a qualidade dos meus dias aqui, que já foram tão desafiadores e que não quero experimentar novamente.

Agradeço pelos que veem além das minhas cicatrizes, das pegadas que marcaram o meu caminho. E sigo, um dia de cada vez, escrevendo minha história na esperança de que, um dia, a balança penda mais para o lado da leveza. Aquela que eu senti no céu.

Feliz novo ciclo. Para mim e para você.

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💬 Comentários


Regina Borges em 26/11/2025 22:35

Leio e sinto todos meus passos daquela época mas não esqueço tbm de ver vc lutando, se esforçando para recuperar com Deus e sua FÉ inabalável.

Cíntia Acruche em 25/11/2025 14:07

Parabéns, Aline!! Não somente pelo dia de ontem, como também por dividir conosco um depoimento tão forte e necessário!! Que você se mantenha firme nessa estrada evolutiva, se fortalecendo e mantendo sua fé e coragem, vencendo um dia de cada vez!! Deus abençoe sua vida e sua jornada!!!

Gina Kelly Prates em 24/11/2025 09:17

O negativo, muitas vezes, nos fortalece para coisas maiores que virão, e direciona lindos caminhos da nossa vida… Que lindo que escreveu, me emociona e me deixa feliz em você ter encontrado essa maravilhosa missão, de acrescentar no mundo e fazer de suas “cicatrizes”, obras literárias para acrescentar no mundo e na vida de tantos! Gratidão e admiração por você!

Bia em 24/11/2025 09:17

Primeiro de tudo, parabéns!!!! Parabéns por mais esse ciclo de luta e transformação, que sua vida possa ser sempre mais leve e de muita luz e saúde sempre!!!!!
Que texto lindo!!! Suas palavras soaram aqui como os doces desafios...Aqueles que enfrentamos diariamente, mesmo antes de saber.
Parabéns pelo aniversário e pela força que carrega!!!!

Regina Borges em 24/11/2025 09:12

A cada dia vc escreve melhor .
O assunto revela tudo q passou e q tem resquício.
Continue c Deus .

Cynthia em 24/11/2025 07:57

Você é maravilhosa. Parabéns

Sylvana. em 23/11/2025 21:45

Se não era pra chorar, então você errou feio. Estou chorando e muito porque você colocou em palavras tudo que sinto e penso. Obrigada por tudo e por tanto.