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26/11/2025 15:16 | Colunistas
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por Aline Borges

A Assinatura de Flicts

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Ontem, entre caixas e livros empilhados para a mudança, meus dedos toparam com uma capa frágil e colorida, desbotada e empoeirada pelo tempo. Era Flicts, do Ziraldo. Pausei tudo e o segurei com o cuidado que se guarda uma antiga carta de amor.

Limpei delicadamente a poeira secular da capa com um lenço, como se estivesse limpando a própria infância.
Mas há manchas que não saem do papel, nem da alma. Ao virá-lo, encontrei na contracapa minha própria assinatura: “Aline Borges Dias”. Letras ainda trêmulas, em construção, a caligrafia de uma menina de sete anos que aprendia a ler e a escrever tardiamente — vencendo, página a página, as batalhas silenciosas que a saúde lhe impusera.

Ali, naquela escrita infantil, havia mais que um nome. Havia um marco, quase um decreto. Um “eu existo” gravado no mesmo objeto que, anos antes, me ensinara que existir diferente era permitido. Flicts não era apenas a cor que não se encaixava no arco-íris; era eu mesma, sentindo-me fora do tom em um mundo de cores berrantes e linhas retas. Era a história que sussurrava: “Não é você que não se encaixa. É o mundo que ainda não aprendeu a ver sua cor.”

Por um instante, veio o lamento: “Ah, se este livro tivesse o autógrafo do Ziraldo…” Mas logo me lembrei: a parte mais bonita de quem já habita a eternidade é a capacidade de ouvir o inaudível, o que, enquanto vivente neste plano, seria impossível. E eu sei, com a certeza que só a alma concede, que Ziraldo ouviu ontem. Ouviu o som de cada lágrima que escorria silenciosa pelo meu rosto — e soube, como só um criador de mundos saberia, que não eram lágrimas de saudade ou tristeza. Eram de gratidão. Gratidão por ele ter criado uma história aparentemente simples, mas com raízes tão profundas que sustentariam para sempre uma pequena leitora em formação.

Eu sempre amei os livros, mas foi Flicts que fez de mim a verdadeira “traça” que sou hoje — e da qual me orgulho comovidamente. Ele não autografou meu livro, mas autografou minha vida. E na contracapa da memória, sou sempre aquela menina de sete anos, segurando pela primeira vez um mundo inteiro entre as mãos.

Obrigada, Ziraldo. Flicts me ensinou que até uma cor sozinha, diferente de todas as outras, pode iluminar um canto inteiro do universo.

Com amor,
Aline Borges.

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💬 Comentários


Regina Borges em 28/11/2025 15:27

Quem sou eu para dizer algo, sobre essa fase da sua vida? Como diz o Faustão: Passa um filme de dor e amor na minha cabeça!
Mas, tudo valeu a pena.
Parabéns por você ter se descoberto, como uma borboleta que sai lentamente do seu casulo!

Leila Márcia Viana em 28/11/2025 08:14

Nossa, sua publicação me fez refletir como foi também minhas limitações. As batalhas silenciosas pela saúde física e em especial a mental, geram reflexões profundas sobre resiliência, coragem, fé e a força interior que muitas vezes permanece invisível aos olhos dos outros. A frase de Van Gogh “Eu estou sempre fazendo aquilo que não sou capaz, numa tentativa de aprender como fazê-lo”. Essa frase diz muito do quanto somos capazes de vencer nossas limitações. Parabéns Aline Borges👏👏👏🙏

Leila Márcia Viana em 28/11/2025 08:10

Nossa, sua publicação me fez refletir como foi também minhas limitações. As batalhas silenciosas pela saúde física e em especial a mental, geram reflexões profundas sobre resiliência, coragem, fé e a força interior que muitas vezes permanece invisível aos olhos dos outros. A frase de Van Gogh “Eu estou sempre fazendo aquilo que não sou capaz, numa tentativa de aprender como fazê-lo”. Essa frase diz muito do quanto somos capazes de vencer nossas limitações. Parabéns Aline Borges👏👏👏🙏

Leila Márcia Viana em 28/11/2025 08:10

Nossa, sua publicação me fez refletir como foi também minhas limitações. As batalhas silenciosas pela saúde física e em especial a mental, geram reflexões profundas sobre resiliência, coragem, fé e a força interior que muitas vezes permanece invisível aos olhos dos outros. A frase de Van Gogh “Eu estou sempre fazendo aquilo que não sou capaz, numa tentativa de aprender como fazê-lo”. Essa frase diz muito do quanto somos capazes de vencer nossas limitações. Parabéns Aline Borges👏👏👏🙏

Ana Maria (Namaria) em 27/11/2025 17:06

Desculpe uma repetição e troca de letra em palavras. Não tive como corrigir...

Ana Maria (Namaria) em 27/11/2025 17:04

Aline, querida!
Estou impactada com tanta beleza no texto acima, onde vc descreve a beleza de si própria, da descoberta do seu eu, da pureza intensa dessa criança, de seu dom de colocar poesia na vida e emergir com toda essa luz que a acompanha e nos ilumina!
Obrigada!
Parabéns!
Vc é única!!!
Tida minha admiração!!!
Bj.